quarta-feira, 11 de abril de 2007

Aprenda a criar suas próprias histórias!

Texto descritivo é aquele que descreve alguma coisa; texto narrativo é aquele que narra, conta alguma coisa; texto dissertativo é aquele que disserta, que defende idéias, como numa redação para o vestibular. É só isso? Sim, esta é a essência, na verdade. Então, já acabou este curso informal que preparei especialmente para o site d'A ARCA? Não, caro leitor. É apenas o começo. A partir de agora, você está entrando numa viagem sem fim, que exigirá disciplina, força de vontade e, acima de tudo, criatividade. Preparado?

Saber escrever é uma exigência do mundo em que vivemos, mas também é uma forma de mostrar quem somos, o que pensamos e sentimos. É vivenciar o mundo através das palavras. O ato de escrever precisa ser encarado como um processo natural, parte da nossa natureza, e não como a "roupa de missa" engomada para impressionar os outros.
O autor Luciano Martins conta que o pesquisador russo Vladimir Propp aplicou técnicas de crítica literária ao estudo de manifestações folclóricas e concluiu que toda história carrega uma organização anterior. As histórias novas não criam novas organizações: "apenas recriam as organizações tradicionais, que se repetem desde que o primeiro ser humano começou a contar sua visão do Cosmos para outro ser humano, diante de uma fogueira".

Esta organização é o que lingüistas chamam de gramática da história. "Ela passa de uma língua para outra, da expressão oral para a escrita, da escrita de volta para a oral, e também atravessa os diversos meios de comunicação e forma de expressão, como o cinema, a televisão, a Internet, a dança, as artes plásticas etc.". Isto explica porque você pode reconhecer a mesma história em versões diferentes, seja em um filme, numa novela ou mesmo em um livro. Se você prestar atenção, verá estruturas básicas de histórias repetidas à exaustão: a luta do bem contra o mal, o melhor amigo do mocinho que sempre morre para que o mocinho se vingue do bandido, o triângulo amoroso, o amor impossível no melhor estilo Romeu e Julieta, a moça pobre e sem graça que se transforma numa cinderela, e muito, muito mais. Usando as palavras do Luciano: "essa organização para a narrativa é a representação mental de um processo que está presente em sua forma de relacionamento profundamente enraizada na natureza social do ser humano".

Como falamos de ser humano, é comum sempre lembrar o que acontece na infância, certo? Desde criança, aprendemos a lidar com a gramática da história. "Por meio de beijos, sorrisos e da atenção carinhosa, os adultos e educadores formais reforçam essa habilidade e a induzem a enriquecer suas narrativas e abusar da criatividade", explica Luciano. "Mas quando a criança passa a escrever, acontece o que os lingüistas denominam 'reificação', mas nós vamos chamar de 'coisificação', da história. Trata-se de um processo de distanciamento que ocorre entre o narrador e a história".
Complicou? Fica mais fácil de entender se você pensar que o ato de escrever integra a natureza humana justamente por fazer parte da gramática da história, ou seja, por ser um processo social que pertence à natureza do ser humano. Daí, seria natural pensar que escrever é algo muito fácil, pois é uma característica do ser humano. Bom, pelo menos deveria ser fácil. O que acontece é que costumamos achar que escrever é fazer algo tão antinatural, tão fora do nosso dia-a-dia, que muitas vezes erguemos barreiras e obstáculos intransponíveis na hora de redigir meia dúzia de frases.

No mundo dos textos, o vôo criativo tem lá seus obstáculos. Jaime Zorzi esclarece que aprender a escrever pressupõe compreender os diferentes usos que as pessoas fazem da escrita. E estes não se limitam ao que a escola costuma solicitar ao aluno: cópias, ditados, redações, leitura de textos em voz alta e assim por diante. Para Zorzi, implica compreender as funções sociais da escrita. "As pessoas lêem e escrevem para dar ou receber informações, para questionar, para convencer, para instruir, para se organizarem no tempo e no espaço, assim como para o próprio lazer ou diversão".
Ainda na infância, nosso processo de alfabetização vai seguindo em frente até tropeçar na gramática e suas complicações, não é? Conheço muita gente que não escreve justamente por medo de cometer algum deslize ortográfico, de errar a pontuação etc e etc.

A preocupação em obedecer às normas cultas defendidas pela Língua Portuguesa não é o único obstáculo para quem escreve. "Talvez o bloqueio mais perigoso esteja no fato de que não raro o processo criativo é desconhecido", acredita Rubens Marchioni. "(...) Infelizmente nossa cultura ensinou e nós cultivamos um pensamento altamente destrutivo para a criatividade. Fomos acostumados com a idéia de que, se algo é simples, não merece respeito".

Segundo Luciano Martins, existem dois fatores básicos que atrapalham o momento de escrever: o excesso de autocrítica e a falta de compromisso com o conteúdo. "Avançamos acelerados pelo século XXI, a Internet se sofistica, ocupa telas de telefones celulares, promete juntar de uma vez todas as formas de comunicação, e seguimos precisando daquele modo de pensar sistêmico e integrado que a escrita ajuda a construir", defende. "Ainda assim, milhões de pessoas continuam suando as palmas das mãos na hora de produzir um texto. É como se a necessidade de deixar registrados os pensamentos, de tão fluentes nas conversas, fosse tarefa pesada demais para o indivíduo".
Luciano acredita que uma das bases para uma técnica possível de redação é criar uma simulação de interatividade para o momento de escrever, ou seja, é necessário ter, no momento de escrever, a sensação de que se está conversando com alguém. "Não passe pela vida como se não tivesse nada a ver com o que acontece à sua volta", aconselha. "A partir dessa observação, você pode sofisticar suas narrativas quando souber dosar a oferta de informações no seu relato".

Já Rubens afirma que não há uma receita e tampouco uma fórmula mágica à disposição de quem pretende tornar-se redator. "Bastam esforço e disciplina". Ele, porém, não descarta a qualidade do texto a ser escrito ao lembrar Sidney Smith: "Tudo o que se escreve visa ou a agradar ou a instruir, mas este segundo objetivo dificilmente poderá ser atingido se o primeiro não o for". Por fim, Juremir Silva também tem uma dica para passar: "o que escrever quer calar? O conteúdo. Escrever é antes de tudo dar forma. (...) Cala mais aquele que escreve melhor".
Como você acabou de ver, todo mundo mostra um ponto de vista sobre o ato de escrever, com várias coisas em comum. E todos os especialistas têm suas dicas para oferecer. A partir do próximo artigo, vou aproveitar algumas idéias deste pessoal, misturando-as à minha experiência profissional sobre o assunto, para que você possa descobrir como a teoria funciona na hora de contar uma história.

- Matéria extraída originalmente do site A Arca (escrito por Helena Gomes)
http://a-arca.uol.com.br/v2/artigosdt.asp?sec=4&ssec=11&cdn=11336&ori=bda

Um comentário:

uma leitora disse...

Olá, este post é muito útil. Esclarecedor. Gostei muito do seu blog! Vou voltar por aqui.

Abraços
Berenice

http://blogdaberenice.blogspot.com/